quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Drama canino




Sai do trabalho, passei no supermercado, no banco, na padaria e no posto de gasolina. Segui para casa, guardei as compras, coloquei a papelada em ordem, fiz continhas e mais continhas, dei uma lida rápida nas correspondências e recolhi as roupas do varal. Depois de todos os pequenos afazeres domésticos, tomei um banho demorado, coloquei o meu pijama mais confortável, catei um monte de travesseiros, dei uma passada rápida pela geladeira para pegar um todinho, apaguei as luzes e me joguei no sofá para ver o filme mais seção da tarde dos últimos tempos, que já estava reservado há mais de uma semana, “Ele não está tão a fim de você”.

Uma histeria repentina invadiu a sala. O estardalhaço foi tamanho, que o canudinho do todinho saiu pelos ares. Eis um drama familiar instalado. Um cachorrinho titico de vinte centímetros conseguiu passar por debaixo do portão. Acho que ele não imaginava que do outro lado esperava por ele um amigo-tipo-felícia-ansioso-por-companhia, de um metro e meio: Deco. Deco por causa do jogador luso-brasileiro, apesar de eu saber pouca coisa da cara dele até ele vir jogar no Fluminense. Mas, achei o nome sonoro, harmonioso e suave. Como o visitante não se apresentou vou chamá-lo de Figo, que é, em minha opinião, o segundo nome mais sonoro, harmonioso e suave para cachorro.

Surpreendido por Deco, o Figo gritava, mas gritava tanto, que custei a entender que ele era um cachorro. Deco rolava Figo no chão com tanto entusiasmo, que se colocasse areia diriam que eram dois amantes nas Dunas de Itaunas. Pareciam dois lutadores de sumô. Como o tempo passa. Voa! Num dia a gente é filho irresponsável, no outro, é responsável por duas vidas. Pensei: Ah, idolatrada lei do mais forte, o que eu vou fazer com um defunto no meu quintal. Mas não, o Deco só queria brincar com a ilustre visita. A ilustre visita não entendia, claro, e gritava como se estivesse sendo atacado por um urso polar em plena floresta Amazônica.

Corri atrás dos dois, batendo palmas e gritando "XÔ! XÔ!". Não deu certo. Tentei conversar numa boa com o intruso petulantezinho. Ofereci suquinho, leitinho, pãozinho, aguinha e o raio da criatura não parava de se esgoelar. “Não adianta gritar, que eu não sou surda!", a essa altura eu é quem estava berrando. Eu tinha que dar um jeito na situação.

Tentei a minha arma sempre poderosa nos momentos mais tensos com o Deco. A palavra chave é: comida! Sempre que digo comida! bem alto, ele para o que está fazendo e me olha atentamente. Funcionou da última vez, quando ele pegou duas notas de vinte reais que estavam sobre a mesa. Dessa vez, nada.

Desesperada, fui cercando os dois pelas beiradas num estilo zagueiro ou mineiro de ser. Quando estava prestes a me jogar pro outro lado do muro, fiz um drible, digno de Garrincha, entre Deco e Figo. (Com a maioria aqui é feminina, vou explicar bem o que seria isso: fingir que se vai fazer uma coisa e fazer outra. Fingir, por exemplo, que vai sair pela esquerda, e sair pela direita).

E não é que deu certo? Perpendicular à linha de fundo, fechando em diagonal, consegui segurar a coleira do Deco. Impressionante, minha prática. Parece até que fiz curso no Senac. Ele arregalou os olhos, e me olhou com uma cara espantada, do tipo 'não estou acreditando que essa maluca me separou do meu único amiguinho'. Figo me olhou meio desconfiado e vazou por debaixo do portão.

Tudo esclarecido, fui tomar outro banho. Tive que superar um drama familiar, perdi uma parte do filme, mas acho que a experiência, se não me fez crescer como ser humano, pelo menos amenizou meu lado desumano. Aprendi a ter mais respeito com o outro, mesmo que esse “outro” tenha apenas vinte centímetros de altura.

3 comentários:

  1. hahahahaha. coitadinha, que drama heim? hauahauahua. coitadinho do Deco ficou sem o amiguinho. =/
    Traga o Figo de volta. kkk

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  2. hauhauhauhauhau adoro seus posts que me fazem chorar e rir, fiquei até imaginando a cena daqui hehehe

    O Deco é fofo xD

    bjooo

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  3. pobre Figo ... imagina o desespero, e o Deco (nem lembrava da Felicia, Eu vou te abraçar, te apertar e te amar pra toda vida!!) perdeu o amigo.

    Ótimo post!

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