quarta-feira, 1 de junho de 2011

Amores Possíveis


Estamos às vésperas do polêmico Dia dos Namorados. Nem tão polêmica a data é, mas visto que ela é amada e odiada na mesma medida, por pessoas dos mais diversos estados civis, deve ser fonte de alegria e sofrimento para muita gente.
Confesso que dou de ombros. Sempre achei a data uma besteira. Como acho quase todas as datas comemorativas. Sim, ela é comercial, produto do capitalismo, blá, blá, blá. Mas nem é por isso. Nunca fui de esquerda, nem de direita. Sou mais de centro (mas nunca em cima do muro).
Minha pirraça com as datas vem dos shoppings cheios, estacionamentos lotados e da correria maluca que torna o que deveria ser prazer em uma obrigação.
Pra completar ainda encontrei na pessoa que mudou meu status conjugal de solteiríssima para casadíssima um apoiador da idéia: “datas são para os fracos". Sempre presenteamos e brindamos muitas coisas, mas não seguimos calendário.
Todo esse mimimi foi pra dizer nas minhas andanças pelo Twitter encontrei o blog do poeta Fabrício Carpinejar. http://carpinejar.blogspot.com/. Que recomendo a todos. Então, vez ou outra, passo por lá pra ver o que ele tá arrumando. Na minha ultima visita achei um post que é uma ode ao relacionamento possível. Ele diz a mais pura verdade: o amor é uma injustiça.
E eu completo: por isso eles (os relacionamentos) devem ser festejados sempre. Pois é um mistério como uma coisa construída em cima da renúncia, pode fazer a gente tão feliz, mesmo que não seja o tempo todo. Feliz Dia (possível) dos Namorados!

Segue:

INJUSTIÇA

— Não confie na frase de sua avó, de sua mãe, de sua irmã de que um dia encontrará um homem que você merece.
Não existe justiça no amor.
O amor não é censo, não é matemática, não é senso de medida, não é socialismo.
É o mais completo desequilíbrio. Ama-se logo quem a gente odiava, quem a gente provocava, quem a gente debochava. Exatamente o nosso avesso, o nosso contrário, a nossa negação.
O amor não é democrático, não é optar e gostar, não é promoção, não é prêmio de bom comportamento.
O melhor para você é o pior. Aquele que você escolhe infelizmente não tem química, não dura nem uma hora. O pior para você é o melhor. Aquele de quem você procura distância é que se aproxima e não larga sua boca.
Amor é engolir de volta os conselhos dados às amigas.
É viver em crise: ou por não merecer a companhia ou por não se merecer.
Amor é ironia. Largará tudo — profissão, cidade, família — e não será suficiente. Aceitará tudo — filhos problemáticos, horários quebrados, ex histérica — e não será suficiente.
Não se apaixonará pela pessoa ideal, mas por aquela que não conseguirá se separar. A convivência é apenas o fracasso da despedida. O beijo é apenas a incompetência do aceno.
Amar talvez seja surdez, um dos dois não foi embora, só isso; ele não ouviu o fora e ficou parado, besta, ouvindo seus olhos.
Amor é contravenção. Buscará um terrorista somente para você. Pedirá exclusividade, vida secreta, pacto de sangue, esconderijo no quarto. Apagará o mundo dele, terá inveja de suas velhas amizades, de suas novas amizades, cerceará o sujeito com perguntas, ameaçará o sujeito com gentilezas, reclamará por mais espaço quando ele já loteou o invisível.
Ninguém que ama percebe que exige demais; afirmará que ainda é pouco, afirmará que a cobrança é necessária. Deseja-se desculpa a qualquer momento, perdão a qualquer ruído.
Amar não tem igualdade, é populismo, é assistencialismo, é querer ser beneficiado acima de todos, é ser corrompido pela predileção, corroído pelo favoritismo. É não fazer outra coisa senão esperar algum mimo, algum abraço, algum sentido.
Amor não tem saída: reclama-se da rotina ou quando ele está diferente. É censura (Por que você falou aquilo?), é ditadura (Você não devia ter feito aquilo!). É discutir a noite inteira para corrigir uma palavra áspera, discutir metade da manhã até estacionar o silêncio.
Amor é uma injustiça, minha filha. Uma monstruosidade.
Você mentirá várias vezes que nunca amará ele de novo e sempre amará, absolutamente porque não tem nenhum controle sobre o amor.

sábado, 16 de abril de 2011

Meu epitáfio (só por garantia)

Nunca tive medo da morte. Também não faço a menor ideia do quê e de quem me aguarda do outro lado de lá. Será que poderei falar no dia do juízo? Por via das dúvidas, caso não seja permitida a palavra para qualquer justificativa ou defesa; argumentação ou agradecimento, fica aqui a escrita do meu epitáfio (só por garantia). Para os que ficam e para os que já me aguardam, deixo a seguinte mensagem: Sim. Pode não paracer mas achei a vida gozada, hilariante e bonita de se viver, apesar das rasteiras que ela me deu. Eu tive humor e muitas e muitas vezes sorri para ela. Não. Não é preciso falar "eu perdoou você" para perdoar alguém. Eu consegui essa proeza aprendendo a conviver, amadurecendo. Perdoar não é falar em perdão. Perdoar é conviver com o perdão e com a culpa e com o erro e com quem julga e é julgado. Eu tive a melhor família do mundo. Tive irmãos maravilhosos, amigos e acolhedores, que deram um duro danado para me compreender. Eu tive um pai zeloso, incentivador e companheiro e tive uma mãe sublime e apaixonante que desejo encontrar quando estiver no Paraíso. Não tive filhos (pelo menos até o momento das elucubrações deste texto fúnebre). Mas a voz estridente misturada a um olhar sapeca e um sorriso contagiante me chamando de "Dindin Béeeeeeeeu" soou com a mesma delicadeza e olhar terno de um filho dizendo calmamente "mamãe". Eu deixo grandes amigos. Confesso aqui não ter sido a melhor de todos, mas tentei ser pelo menos a grande amiga para umas cinco pessoas. Ou talvez até para mais. Verei daqui do alto quantos sentirão saudades de mim. Por fim, não faltou dizer a quem deveria escutar o quanto eu o amei. Faltou, sim, viver este amor. Mas não pedi nada em troca. Não tive esse direito. O amor não se cobra. Achei apenas que o tempo fosse encaixar nossas vidas, mas a morte me levou mais cedo. Então, fica para próxima. Ao menos, está dito e de mim, verdadeiramente, sentido. Agradeço pelas lindas coroas, pelas preces e mensagens de carinho. Agora, só gostaria de fazer um último pedido: coloque minha matéria para descansar debaixo daquele flamboyant frondoso para que nem o que sobrar de mim pegue esse sol escaldante. Por favor, coveiro, pode fechar o caixão.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Os 7 anos no ponto de ônibus

A caminho de casa, esperando pelo mercedes que ia para o Nova Floresta, vi passar uma menininha de cabelo arrumado, gloss cor-de-rosa nos lábios e sandália dourada nos pés. Um senhor sentado no banco do ponto também acompanhava aquela menina com o mesmo olhar que eu quando, então, ela tirou do bolso do short um aparelho de celular apenas para ver as horas. A garota não passava dos 7 anos.

Rapidamente fui levada ao passado, aos meus 7 anos. Eu andava por aí, de cabelo desgrenhado, com os pés descalços, provavelmente com um short na cor azul que um dia fora do meu irmão mais velho e ainda passou pelo do meio e minha mãe só trocou o elástico ou pregou o botão que estava faltando, costurou as emendas e pronto. Estava novo. E o short certamente estaria cheio de carrapicho ou sujo de areia da pracinha do bairro. Do bolso, eu sacaria as minhas inseparáveis cinco-marias.

O velho ao lado olhou para mim e sorriu. Ele tinha acabado de ir à infância dele. No bolso de seu short? Talvez um saquinho de bolas de gude, um estilingue ou um pião.
E nós dois tínhamos o mesmo pensamento: não havia pressa aos 7 anos. Só voltávamos para casa quando a fome apertava.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

A tal zona de conforto

O mês de janeiro foi uma surpresa para mim. Estaria de férias, mas acabei recebendo uma proposta para cobrir as férias de uma revisora em outra agência. Sorte grande, pensei, pois 2011 será um ano de muitas despesas e muitas alegrias! Aceitei sem pestanejar, e nem sabia o bem que isso iria me fazer ( só o financeiro, claro).

Quem me conhece sabe o quão sistemática eu sou, adoro uma boa rotina e só de pensar em sair dela, tenho calafrios... sério... comodismo puro, eu sei, mas nada tão grandioso que me impeça de trilhar novos rumos, quando necessário. Foi assim há 3 anos, quando deixei meu emprego de secretária para arriscar minha tão almejada carreira de revisora... formei-me em Letras e demorei quase 1 ano para conseguir uma oportunidade. Pedir demissão de um emprego quando seu pão e seu teto dependem dele não é fácil, mas há muito já me sentia infeliz exercendo uma profissão que não mais me acrescentava nada...então quando surgiu a chance de colocar em prática minha vida acadêmica, lá fui eu, morrendo de medo de dar errado, mas colocando toda a minha fé e esforço para que desse certo. E deu e continua dando. Amém.

Pois bem, em janeiro, senti algo muito parecido com isso. Nunca pensei que sair da minha zona de conforto me faria tão bem. E foi tão bom me sentir testada de novo, querer dar o máximo de mim trabalho após trabalho. Joguei meus medos fora, testei meus limites e tive a certeza de que posso fazer isso sempre que julgar necessário. Aprendi novas maneiras de revisar, conheci pessoas maravilhosas e, o melhor de tudo, senti-me reconhecida profissionalmente.

No meio da minha permanência na agência nova, pude matar as saudades de três amigas especiais. Três que fazem esse cincoetanto ser muitíssimo importante para mim. Apesar de bastante abandonado, este blog tem alma própria, o que essas mulheres colocam aqui tem uma verdade única, a verdade delas, a minha verdade, escrevemos como o coração e nos sentimos abraçadas com os comentários. Ju, Iza e Karine, mulheres com as quais aprendo sempre e entendo o que significa estar perto mesmo estando longe. Espero que este ano nossos encontros sejam mais frequentes e que sejamos sempre o que significamos uma para a outra: amizade, companheirismo e lealdade. Amo vocês.



Semana passada acabou meu período de substituição e voltei ao meu habitual trabalho, tive uma gostosa sensação de dever cumprido e de forças renovadas para enfrentar o novo ano! Quero que esse sentimento me acompanhe sempre.

Um beijo e até a próxima.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Feliz Aniversário, Stephanie

Foi minha mãe quem deu a notícia que a casa ao lado teria novos moradores. Foi minha mãe também quem me disse que naquela casa uma menina da minha idade iria morar. Eu fiquei radiante com a ideia de ter uma nova amiga para brincar. As garotas da rua eram sempre mais velhas e entre a turma toda de meninos e meninas eu era a “copo de leite”.

Antes da sua chegada ficava o tempo todo imaginando como seria essa nova amiga. Será que ela é legal? Será que ela vai me emprestar seus brinquedos? Ela é loira ou morena? Bonita ou feia? Eu também desenhava a sua família em minha cabeça, planejava as brincadeiras, os aniversários de boneca e os passeios de bicicleta.

E ela apareceu. Não me lembro exatamente quando, mas ela apareceu. Loira. Loirinha, de bermuda cor de rosa, camiseta cor de rosa e pés descalços. No cabelo, uma maria-chiquinha que sempre escorregava, deixando o rabo-de-cavalo desajeitado. Jamais imaginaria que minha futura amiga tinha aquela imagem. E ela passou a ser o xodó da turma. Ela e seu irmão de cinco anos assumiram o posto de novos “copos de leite”. E eu me transformei em “copo de leite sênior” (uma promoção dada pelo líder da turma, meu irmão – que não era o mais velho do bando, mas sempre se destacava no grupo da rua).

Casas geminadas, jardins na entrada, mobília de mogno no quarto. Ela tinha um gato enorme de porcelana. Eu, um gato boêmio que encontrei na garagem da minha casa. Ela tinha uma coleção de disquinhos e historinhas que me encantavam. Minha barbie era loira. A dela era uma ruiva dos anos 70, de pantalona e tamanco, que mexia os ombros quando se apertava as costas. Ela tinha uma infinidade de móveis da barbie. Eu tinha alguns poucos, mas quando a gente juntava os brinquedos era uma tarde inteira de diversão.

Ela tinha a Moranguinho. Eu, a Uvinha. E nós duas tínhamos a Tetê. Uma boneca que tomava mamadeira e fazia xixi para a fralda ser trocada. Ela tinha uma máquina de escrever Olivetti amarela que eu era fascinada. Eu tinha uma bicicleta cor de rosa que ela andou antes de mim.

Ela tinha o Quadro Mágico e eu o Jogo da Vida. Nos pés descalços, a sujeira das aventuras nos terrenos baldios. E na minha testa, um galo e uma cicatriz por aquela aposta de corrida que estava vencendo e fui derrubada.

O primeiro cigarro foi experimentado juntamente com ela. E o primeiro porre... Deve ter sido com ela também (Eu não me lembro).

Na adolescência, os segredos. Os planos para ficar com aquele garoto que tinha um primo mais velho que dirigia. Nessa mesma adolescência, a separação. A distância de um muro baixo, que passou a ser de quatro casas deu lugar a uma distância de 450km e a convivência diária passou a ser curtida apenas nos feriados prolongados e nas férias. É que eu fui morar em Belo Horizonte e ela quis ficar no interior.

Mas não vou houve distância que nos separasse. Nem mesmo nos grandes acontecimentos. Quando eu perdi a minha mãe, ela estava lá, esperando por mim em minha casa. Ela e um abraço silencioso. Porque não cabia naquele momento nenhuma palavra, somente um abraço silencioso. E quando a tristeza era minha companhia, ela deitava na minha cama e só saía de lá quando eu melhorava.

Eu também estava lá em alguns momentos especiais. E isso está registrado! Fui madrinha de seu enlace e passei na fila dos cumprimentos pelos menos três vezes. É que a alegria era tão grande que a gente precisava se abraçar em silêncio a todo instante.

E foi debaixo do pé de jabuticaba lá de casa que fui uma das primeiras a saber que dali a nove meses chegaria para nossas vidas um lindo presente. Enzo! Que é seu filho e também um filho de coração para mim.

Então, naquele dia em que ela se mudou para minha rua, eu não ansiei a sua chegada à toa. Talvez eu já soubesse que ali chegava a minha melhor amiga. O tempo moldou essa amizade. As brigas e birras eram superadas assim que a próxima brincadeira começava. A saudade, constante companheira, temperou os momentos de reencontro com risadas e lembranças. É assim uma amizade sincera.

Naquele dia em que aquela loirinha de roupa cor-de-rosa, maria-chiquinha no cabelo e pés descalços foi morar na minha rua, eu ganhei a melhor amiga do mundo e a melhor irmã do mundo também.


segunda-feira, 25 de outubro de 2010

E daí?

E daí se minha pizza predileta é a de milho?
E daí se durmo de cobertor o ano inteiro?
E se para dormir eu precise de escuridão total e barulho?
E daí se a melancia me provoca dor de cabeça? Ela é minha fruta predileta!
E daí se uso calculadora para somar 13+9?
Se falo mal do meu chefe? Ele é um saco mesmo!

E daí de achar academia o ó?
De esquecer de pagar o IPTU?
E daí se como chocolate religiosamente depois do almoço?
Se não tenho religião, mas faço o sinal da cruz assim que me deito ou chego no trabalho?
E daí se eu não gostar de Sol?
E daí se eu não gostar do dia do meu aniversário?
De não ver graça no Natal e ter preguiça de viajar para o carnaval?
E daí se gosto de ver desfile e apuração de escola de samba?

E daí se leio revista de fofoca e se meu humor é sempre o mau humor?
Se meu bife tem que ser "bem tostado"?
E daí se não gosto da picanha do churrasco?
E daí se prefiro bijuteria a jóia?
Se não como manteiga e palmito?
E daí?

E daí se meu dia predileto é dia nublado?
E daí se nunca ganhei flores de namorado?
E daí se escrevo errado?
E daí???? Hein????
E daí?

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Drama canino




Sai do trabalho, passei no supermercado, no banco, na padaria e no posto de gasolina. Segui para casa, guardei as compras, coloquei a papelada em ordem, fiz continhas e mais continhas, dei uma lida rápida nas correspondências e recolhi as roupas do varal. Depois de todos os pequenos afazeres domésticos, tomei um banho demorado, coloquei o meu pijama mais confortável, catei um monte de travesseiros, dei uma passada rápida pela geladeira para pegar um todinho, apaguei as luzes e me joguei no sofá para ver o filme mais seção da tarde dos últimos tempos, que já estava reservado há mais de uma semana, “Ele não está tão a fim de você”.

Uma histeria repentina invadiu a sala. O estardalhaço foi tamanho, que o canudinho do todinho saiu pelos ares. Eis um drama familiar instalado. Um cachorrinho titico de vinte centímetros conseguiu passar por debaixo do portão. Acho que ele não imaginava que do outro lado esperava por ele um amigo-tipo-felícia-ansioso-por-companhia, de um metro e meio: Deco. Deco por causa do jogador luso-brasileiro, apesar de eu saber pouca coisa da cara dele até ele vir jogar no Fluminense. Mas, achei o nome sonoro, harmonioso e suave. Como o visitante não se apresentou vou chamá-lo de Figo, que é, em minha opinião, o segundo nome mais sonoro, harmonioso e suave para cachorro.

Surpreendido por Deco, o Figo gritava, mas gritava tanto, que custei a entender que ele era um cachorro. Deco rolava Figo no chão com tanto entusiasmo, que se colocasse areia diriam que eram dois amantes nas Dunas de Itaunas. Pareciam dois lutadores de sumô. Como o tempo passa. Voa! Num dia a gente é filho irresponsável, no outro, é responsável por duas vidas. Pensei: Ah, idolatrada lei do mais forte, o que eu vou fazer com um defunto no meu quintal. Mas não, o Deco só queria brincar com a ilustre visita. A ilustre visita não entendia, claro, e gritava como se estivesse sendo atacado por um urso polar em plena floresta Amazônica.

Corri atrás dos dois, batendo palmas e gritando "XÔ! XÔ!". Não deu certo. Tentei conversar numa boa com o intruso petulantezinho. Ofereci suquinho, leitinho, pãozinho, aguinha e o raio da criatura não parava de se esgoelar. “Não adianta gritar, que eu não sou surda!", a essa altura eu é quem estava berrando. Eu tinha que dar um jeito na situação.

Tentei a minha arma sempre poderosa nos momentos mais tensos com o Deco. A palavra chave é: comida! Sempre que digo comida! bem alto, ele para o que está fazendo e me olha atentamente. Funcionou da última vez, quando ele pegou duas notas de vinte reais que estavam sobre a mesa. Dessa vez, nada.

Desesperada, fui cercando os dois pelas beiradas num estilo zagueiro ou mineiro de ser. Quando estava prestes a me jogar pro outro lado do muro, fiz um drible, digno de Garrincha, entre Deco e Figo. (Com a maioria aqui é feminina, vou explicar bem o que seria isso: fingir que se vai fazer uma coisa e fazer outra. Fingir, por exemplo, que vai sair pela esquerda, e sair pela direita).

E não é que deu certo? Perpendicular à linha de fundo, fechando em diagonal, consegui segurar a coleira do Deco. Impressionante, minha prática. Parece até que fiz curso no Senac. Ele arregalou os olhos, e me olhou com uma cara espantada, do tipo 'não estou acreditando que essa maluca me separou do meu único amiguinho'. Figo me olhou meio desconfiado e vazou por debaixo do portão.

Tudo esclarecido, fui tomar outro banho. Tive que superar um drama familiar, perdi uma parte do filme, mas acho que a experiência, se não me fez crescer como ser humano, pelo menos amenizou meu lado desumano. Aprendi a ter mais respeito com o outro, mesmo que esse “outro” tenha apenas vinte centímetros de altura.