sábado, 8 de agosto de 2009

Meu pai

Juliana Coelho

Já tenho idade para ser mãe, mas é muito comum ser invadida por uma enorme sensação de desamparo, quando lembro que meu pai está longe. Não há como explicar. É tão intenso, que devo parecer uma meninoca de braços abertos, chorosa, esperando o colo do pai.

Hoje, acordei com uma saudade imensa dele, assim, sem maiores explicações. Talvez porque amanhã seja Dia dos Pais. Meu pai me veio quase assim, concretizado na maneira com que, através das palavras de sua propriedade, ele se comunica com as filhas, cadê o toucinho que estava aqui?

Muito mais do que os pais de sua geração, no bairro onde fomos criadas, papai brinca com as filhas: tenho perfeita lembrança de sair com um baldinho de areia na mão, pra brincar com ele, de castelos de areia, no canteiro de obras de uma grande avenida que estava sendo construída perto da minha casa. Mesmo a milhares de quilômetros da praia, ele me fazia sentir a brisa do mar. Ninguém entendia o que aquela menininha fazia com o balde de areia na mão, na cagunda do pai, a caminho de um imenso barranco, de terra batida. Meu pai entendia.

Essa sensação me volta sempre de maneira insistente. Fico me lembrando das vezes em que pintava o rosto dele com o batom da mamãe e fazia chuquinhas em seu cabelo. Ele ficava imóvel, como eu pedia, até que chegasse a hora de mostrar minha obra prima no espelho. E, por minha ordem, ele permanecia assim pintado a tarde inteira.

Meu pai foi criado na roça e teve uma educação rígida de mãe beata, ao lado de muitos irmãos. Nunca o ouvi dizer palavrões. Só quando batia a canela na quina de algum móvel. Aí, falava qualquer palavrão de um jeito meio embolado e, quando percebia que eu estava perto, ria, ria. E eu gargalhava, satisfeita por ter pegado ele no flagra.

Também nunca o vi levantar a voz. Nunca. Ele sempre teve um jeito especial de mostrar quando eu estava errada. E faz com uma delicadeza, que constrange. Meu pai é do tipo que tem muita dificuldade para dizer não. Mas sabe como mostrar, só com um olhar, que aquele não era mesmo o melhor caminho. Por isso, medo nunca foi um sentimento presente em nossa relação. Admiração, talvez seja o sentimento mais presente.

A mim, sempre chamou de Maricota do Carrocha. Não posso imaginar de onde meu pai tirou. Se fazia uma graça, ganhava um dez na escola ou se trazia para casa qualquer alegria ou motivo de orgulho, ele, muitas vezes com os olhos úmidos, dizia: “Ah... Maricota do Carrocha!!!” Vá entender o que Carrocha tem a ver com emoções tão diversas.

Quando pequeninha, ouvia o cantarolar de várias canções que eu achava que pertenciam, exclusivamente, ao universo de uma geração. Lembro-me dele assobiando qualquer coisa de bossa nova no banheiro, e achava meu pai para lá de moderno.

Mesmo longe, ele está presente em todos os meus sentidos, é o que estou tentando dizer. No universo de minha vida, ele é o que de mais palpável eu posso querer.

2 comentários:

  1. Eta, Julieta Brabuleta azul, que estreia mais doce, que texto mais lindo, dá vontade de chorar de tanta verdade bonita. Assim como você.

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  2. Ai Ju, este é para chorar. Não tinha visto ainda a Mari falou pra eu ler rs
    bjooo
    saudade :)

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